segunda-feira, 11 de julho de 2016

Docente de universidade do Pará pode ser preso após ato em solidariedade às vítimas de Mariana

O professor Evandro Medeiros, na estrada de ferro. 

Docente de universidade do Pará pode ser preso após ato em solidariedade às vítimas de Mariana


Em 20 de novembro, 15 dias depois do rompimento de uma barragem de mineração em Minas Gerais causar o maior desastre ambiental do país, um grupo de cerca de 30 pessoas realizou um protesto em Marabá, município do Pará onde moradores costumam se mobilizar contra ações de mineração executadas na região. Levaram para o trilho da Estrada de Ferro Carajás cartazes pintados à mão em solidariedade às vítimas do desastre e, segundo os organizadores, depois de cerca de 30 minutos foram embora. Por conta deste ato, Evandro Medeiros, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, poderá ser preso por até cinco anos.


Medeiros, professor da Faculdade de Educação do Campo, foi acusado de incitar o protesto e a ocupação dos trilhos pela Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, alvo da manifestação, que além de ser controladora da Samarco -empresa que geria a barragem que rompeu em Minas Gerais- opera a Estrada de Ferro Carajás, por onde escoa sua produção da região. A empresa apresentou uma queixa crime na delegacia contra ele e, na semana passada, o professor foi indiciado sob suspeita dos crimes de "incitar, publicamente, a prática de crime", com pena prevista de até seis meses, e de "impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro", com pena de até cinco anos.

Para o delegado Washington Santos de Oliveira, de Marabá, os indícios do crime do professor apareceram em fotos e vídeos do dia da manifestação enviados pela Vale. Nas imagens, o professor aparece falando ao microfone, o que caracterizaria sua liderança do ato, e os manifestantes estão sob a linha férrea, cometendo um ato que poderia "resultar em desastre", crime previsto pelo artigo 260 do Código Penal, que versa sobre o perigo de desastre ferroviário. "A Constituição assegura o direito de reunião e de livre manifestação, mas eles se encontravam em linha férrea, que tem essa proteção legal. O mero fato de eles estarem no trilho resulta em crime de perigo de desastre ferroviário", explica.

A Vale acusa o protesto de ter impedido o transporte de cargas e de passageiros. Em um acordo com o Governo federal, a empresa disponibiliza um trem uma vez ao dia para levar pessoas em um trajeto que liga Parauapebas (Pará) e São Luís (Maranhão), o mesmo feito por sua produção de minério. "Em casos de obstrução da linha férrea, a empresa precisa adotar os procedimentos judiciais para preservar o direito de propriedade e a manutenção do transporte de cargas e passageiros", disse a mineradora, em nota. A empresa também entrou com um processo civil contra o professor, a quem acusa de organizar o protesto.

Sem trens
Medeiros, entretanto, afirma que o protesto durou cerca de 30 minutos e ocorreu em uma intersecção entre a linha férrea e uma avenida do bairro de Araguaia, onde há uma passagem destinada a pedestres. "A cancela que desce quando os trens estão vindo não fechou em nenhum momento. Os trens não passaram naquele momento em que estávamos lá", afirma ele. Por isso, diz, não houve obstrução da linha. O trem de passageiros já havia passado no momento em que o ato aconteceu. Ele circula ali apenas uma vez ao dia e, às sextas, dia da semana em que houve o ato, o trem chega a Marabá, vindo de Paraupebas, entre 8h19 e 9h04, e sai de Marabá para São Luís entre 8h29 e 9h14. O protesto, segundo o próprio documento da Vale anexado ao inquérito, ocorreu por volta de 9h55. A empresa não informou quantos trens de minério deixaram de circular por conta da manifestação.

Um vídeo ao qual o EL PAÍS teve acesso mostra que a manifestação estava, de fato, no local de intersecção, por onde cruzam motos, carros e até um caminhão no momento do ato. Enquanto isso, um morador do bairro faz uma fala em um microfone contra a Vale. Apesar de o vídeo mostrar a participação de mais pessoas no ato, Medeiros foi o único acusado pela empresa e o único indiciado. O delegado afirma que abrirá uma investigação contra os outros participantes do ato posteriormente.

"O pessoal diz que eu fui o único responsabilizado porque sou o único negro. Mas acho que é porque eu sou atuante. Organizo um festival de cinema, produzo filmes sobre a situação na região. Eles queriam pegar alguém que pudesse servir de exemplo em uma clara tentativa de intimidação", ressalta ele, que no momento produz um documentário sobre os danos que as obras de duplicação dos trilhos da estrada de ferro causaram em bairros da região. "Eu estou sendo processado e citado como bandido por participar de um ato em solidariedade a vítimas de uma barragem", ressalta.

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