sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Belo Monte tem risco de novo atraso


Energia Consequências da Lava Jato para construtoras podem afetar obra de hidrelétrica

Por Rodrigo Polito*

As consequências financeiras da operação Lava Jato, da Polícia Federal, para algumas construtoras aumentam o risco de não cumprimento do cronograma da hidrelétrica de Belo Monte, principal projeto de geração de energia em implantação no país, orçado em cerca de R$ 30 bilhões. Previsto para ser a segunda maior usina brasileira e que devia entrar em operação em fevereiro deste ano, o projeto já está atrasado em um ano, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e pode provocar perda de valor para os acionistas do consórcio Norte Energia, responsável pela usina, com a compra de energia para honrar seus compromissos contratuais.

O caso mais preocupante é o da OAS, que, devido à dificuldade financeira decorrente da Lava Jato, avalia pedir recuperação judicial ou vender ativos. A empresa possui 11,50% do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), contratado para realizar as obras da usina. Outras duas empresas que compõem o consórcio e são investigadas pela Lava Jato, a Queiroz Galvão e a Galvão Engenharia, tiveram os ratings rebaixados esta semana pela Fitch. Juntas, as três empresas possuem cerca de um terço do CCBM.

A classificadora de risco também colocou em observação negativa os ratings de Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Corrêa. As três empresas, que estão suspensas, de forma cautelar, de futuras licitações da Petrobras, com base em depoimentos prestados no âmbito de delação premiada por investigados na Lava Jato, respondem por metade da composição do CCBM, liderado pela Andrade Gutierrez.

Sobre os serviços de montagem da usina, a preocupação é com relação à Engevix. Envolvida na Lava Jato, a empresa possui 60% do consórcio responsável pela montagem eletromecânica das 18 turbinas da casa de força principal da hidrelétrica. A outra integrante do consórcio, com 40% de participação, é a Toyo Setal, cujo um dos sócios, Augusto Mendonça, é um dos delatores nas investigações da Lava Jato.

Segundo uma fonte a par do assunto, a Eletrobras, principal acionista do Norte Energia, teria interesse em rever contratos de empresas que eventualmente entrarem em recuperação judicial. "Gente de dentro da Norte Energia quer cancelar os contratos. O Norte Energia pode fazer o que quiser", disse ela.

Questionados, a Eletrobras e o Norte Energia disseram não ter conhecimento da informação.

O CCBM informou ao Valor que utiliza os pagamentos recebidos da Norte Energia para realizar os aportes necessários nas obras. "A operação do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) é lastreada financeiramente por sua própria produção, não havendo dependência de aportes de quaisquer das empresas consorciadas", afirmou o consórcio, em nota.

A Odebrecht informou, em nota, que "os negócios da Organização Odebrecht, incluída sua participação no Consórcio Construtor de Belo Monte, seguem normalmente". Com relação à Galvão Engenharia, uma fonte afirmou que o grupo não passa por dificuldades financeiras e que as pendências existentes com a Petrobras não afetam o fôlego financeiro da companhia. O grupo Galvão não comentou o assunto.

A Camargo Corrêa informou que não há nenhum problema com relação a sua participação na obra de Belo Monte. A Queiroz Galvão informou que não comentaria o assunto. A Andrade Gutierrez disse que seu posicionamento foi feito pelo CCBM. OAS, Engevix e Toyo Setal não responderam as perguntas feitas pelo Valor.

Em nota, o Norte Energia reforçou o posicionamento do CCBM e disse que "também o Consórcio Montador Belo Monte (CMBM) gera suas receitas no próprio empreendimento e não depende financeiramente das empresas consorciadas".

Segundo o Norte Energia, as obras de Belo Monte chegaram a 70% de conclusão no final de 2014. "Todas as providências para o fornecimento de equipamentos foram tomadas e estão inseridas na programação de montagem da hidrelétrica. A casa de força complementar, responsável por apenas 3% da geração de energia de Belo Monte, começa a operar em novembro deste ano. A casa de força principal do sítio Belo Monte, que responderá por 97% de toda a energia, inicia a comercialização em março de 2016, data prevista no contrato de concessão. Todas as turbinas da hidrelétrica Belo Monte estarão em operação em janeiro de 2019", afirmou o consórcio.

Até o momento já foram investidos R$ 19,7 bilhões em Belo Monte, de acordo com o último balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A previsão é que ainda sejam desembolsados outros R$ 9,1 bilhões no projeto.

Uma das principais obras do PAC, Belo Monte tem capacidade prevista de 11,233 mil megawatts (MW) e, no Brasil, será inferior apenas à Itaipu Binacional (14 mil MW). Leiloada em 2010, a usina estava prevista para entrar em operação em fevereiro de 2015. Segundo a Aneel, porém, a usina já está com o cronograma atrasado em um ano. A previsão atual é que inicie a operação em fevereiro de 2016. O atraso foi identificado na casa de força complementar, do sítio Pimental, de 233 MW de potência.

A última versão do Plano Decenal de Energia (PDE), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), também atualizou a previsão de início de operação de Belo Monte para 2016. A versão anterior ainda continha a estimativa de que a usina iniciaria a produção em 2015.

Segundo um analista financeiro do setor que pediu anonimato, com o atraso no cronograma, o consórcio dono da concessão da usina precisará comprar energia no mercado à vista para honrar seus compromissos contratuais, gerando perda de valor. "A taxa de retorno de Belo Monte, que já não era das melhores, ficará muito ruim", disse.

No fim de 2014, a procuradoria da Aneel emitiu parecer responsabilizando o Norte Energia pelo atraso no cronograma. O consórcio tem tentado convencer a agência de que não é culpado pelo adiamento do início de operação da hidrelétrica, porém sem sucesso.

Segundo o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, em tese, os problemas financeiros de construtores de Belo Monte podem agravar o atraso da obra, mas não se sabe em que medida.

"Soma-se a isso os desafios de grandes projetos hidrelétricos no Brasil, como a intervenção de terceiros", afirmou Sales, em referência a ações do Ministério Público e de organizações não governamentais (ONGs), além de atos de vandalismo, como os ocorridos nas obras da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira.


*Fonte: Valor (Colaboraram Fábio Pupo, de São Paulo, e Rafael Bitencourt, de Brasília) - Fotografia não incluída na matéria original.
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