terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Novo relatório da PEC 215 pode ser votado amanhã sob suspeita de ter sido elaborado pela CNA

 Por: Oswaldo Braga de Souza*

Em escutas telefônicas do Ministério Público, líder de associação de produtores rurais diz que funcionário da CNA precisava ser pago para elaborar parecer sobre projeto que visa paralisar oficialização de Terras Indígenas e Unidades de Conservação
 
Osmar Serraglio (PMDB-PR) incluiu uma série de novas restrições aos direitos indígenas em novo relatório | Gabriela Korossy - Agência Câmara
Na tarde desta quarta (3/12), pode ser votado numa Comissão Especial da Câmara o novo relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215.  Em ligação interceptada legalmente pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), em agosto, Sebastião Ferreira Prado, líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), menciona a intenção de pagar R$ 30 mil a um suposto assessor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para produzir o novo parecer da PEC 215.
A proposta transfere do Executivo para o Congresso a tarefa de aprovar a oficialização de Terras Indígenas (TIs), Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Por causa da força ruralista no parlamento, na prática vai significar a paralisação definitiva da formalização dessas áreas.
“O cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215, quem tá fazendo pra ele a relatoria é o Rudy, advogado da CNA, que é amigo e companheiro nosso”, diz Prado nas conversas gravadas. “Esse trem custa 30 conto. Eu dei cinco conto, o Navo vai dar cinco, precisa arrumar 20 conto de hoje pra amanhã, que essa semana vai ficar pronto esse trem”, afirma.
Nas gravações, Sebastião Prado diz que o pagamento para a elaboração do relatório serviria para “colocar as coisas de interesse nosso” e informa ainda que seria coordenador da campanha do então candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB-MG)
“Rudy” é o advogado Rudy Maia Ferraz, que foi consultor da bancada ruralista, até o início deste ano, e, segundo a assessoria da CNA, funcionário da organização até agosto de 2013. “Não sou advogado do produtor rural”, afirmou ao Correio Braziliense, em agosto. Ele disse ao jornal que presta “serviços jurídicos a entidades representativas do setor produtivo rural, que atuam em estreita sintonia” com a bancada ruralista.
“A entidade tão somente enviou parecer técnico favorável à PEC. O parecer foi elaborado pela Superintendência Técnica da CNA, depois de o referido assessor já ter deixado o quadro de funcionários da Confederação”, diz nota da assessoria da CNA enviada ao ISA.
Prado foi investigado e ficou preso por mais de dois meses por seu envolvimento com uma quadrilha que promovia invasões à Terra Indígena Marãiwatsédé, no nordeste de Mato Grosso. Segundo o MPF, o grupo recebia recursos de outros Estados e apoiaria ações semelhantes na Bahia, Paraná, Maranhão e Mato Grosso do Sul.
Apesar de ressalvar que o lobby seria atividade normal, o juiz federal Paulo Cézar Alves Sodré, que decidiu prender Prado, destacou que o meio supostamente usado para influenciar o relator da PEC seria indevido. “O fato de o relatório da PEC 215/2000 ter sido, supostamente, ‘terceirizado’ para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), representa, a princípio, um desvirtuamento da conduta do parlamentar responsável pela elaboração da PEC, eis que a CNA é parte política diretamente interessada no resultado da mencionada PEC”, argumenta Sodré em sua decisão
Substitutivo
Da prisão de Prado, em 7/8, até a semana retrasada, a única movimentação na tramitação da PEC 215 foi a apresentação pelo relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), de um substitutivo, muito diferente da proposta original, com restrições ainda mais drásticas aos direitos indígenas. O fato aumenta a suspeita sobre a participação direta da CNA na elaboração da proposta.
O novo parecer adota a data de promulgação da Constituição (5/10/1988) como “marco temporal” para comprovar a posse indígena, ou seja, a comunidade teria direito à terra se puder demonstrar sua ocupação nessa data. Também veda ampliações de Tis; exige que as demarcações tramitem no Congresso como qualquer projeto, com a diferença de que deve ser de iniciativa do Executivo; abre as Tis à exploração do agronegócio, por meio de arrendamentos; e exige a participação de estados e municípios nas demarcações, entre outras limitações.
Algumas das propostas são inspiradas no acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso da TI Raposa-Serra do Sol, de 2009, e em decisões recentes da corte nele baseadas.  O problema é que ainda há divergências no STF sobre a aplicação da decisão de 2009 a outros casos.
“O Congresso está usando decisões do STF para ir muito além do que a corte decidiu. O STF nunca referendou conceder ao Congresso a atribuição de demarcar Terras Indígenas, por exemplo”, alerta Márcio Santilli, sócio fundador do ISA.
A PEC tem tramitação complexa: se for aprovada na comissão especial, segue para os plenários da Câmara e do Senado, onde precisa ser aprovada por dois terços dos parlamentares, em dois turnos de votação.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, e a própria presidente Dilma Rousseff já manifestaram-se contra o projeto. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), disse que ele não seria votado sem acordo.
Diante das dificuldades, a PEC vinha sendo usada como meio para pressionar o governo a mudar por si mesmo o procedimento de demarcação. Uma proposta com esse objetivo está na gaveta de Cardoso há meses: ela cria uma série de obstáculos às demarcações ao incluir nos processos ministérios e órgãos auxiliares, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Com base nas decisões recentes do STF, no entanto, os ruralistas decidiram dar novo fôlego à PEC. Pelo menos sua aprovação na comissão especial parece mais viável diante da maioria absoluta da bancada do agronegócio no colegiado e do clima tenso entre Planalto, base aliada e oposição neste fim de ano.
PL de regulamentação da Constituição
Para tentar aproveitar esse clima, os ruralistas pretendem aprovar ainda, também na quarta e quase no mesmo horário, o Projeto de Lei Complementar do Senado (sem nº) que regulamenta o parágrafo 6º do artigo 231.  A proposta tramita numa Comissão Mista e pretende excluir das demarcações áreas com atividades e projetos econômicos, como fazendas e linhas de transmissão (leia projeto).  O projeto é de autoria do senador Romero Jucá, (PMDB-RR), um dos mais notórios adversários dos direitos indígenas.

*Fonte: ISA – Instituto Socioambiental

Leia também: Relator mantém demarcação de terras indígenas pelo Congresso Nacional (Agência Câmara)
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