terça-feira, 25 de novembro de 2014

Racha nas abobrinhas: "Blog da Dilma" critica nomeação de Katia Abreu. "Amigos do Lula" e "Conversa Afiada" querem a ruralista


A chamada “blogosfera progressista”, nome pomposo para a rede de blogueiros governistas, conhecidos por defenderem até as últimas consequências as políticas governamentais e as táticas de aliança dos petistas, acaba de “rachar”.

A anunciada nomeação da líder ruralista e senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) para assumir o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem sido fonte de inspiração para a contínua produção de pérolas a favor da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e de combate aos setores governistas resistentes à sua nomeação, especialmente alguns movimentos sociais e setores da quase extinta “esquerda do PT”. Mas, se há divergência nas posições, manteve-se um elemento de unidade que tão fortemente tem caracterizado esta parte do mundo virtual: a produção de abobrinhas, talvez agora com mais doses de agrotóxicos.

Neste domingo, um dos baluartes do mundo dos blogs petistas, o jornalista Paulo Henrique Amorim do blog Conversa Afiada, inaugurou a sequência de criação de argumentos fantasiosos para justificar a provável nomeação da dama dos ruralistas para o Mapa. Com a postagem "O Conversa Afiada apoia a Kátia", Paulo Henrique faz um malabarismo em que tenta conciliar a defesa da nomeação de Kátia Abreu como ministra e o apoio que ele supostamente dar para o MST "empurrar a Dilma e o agro-negócio contra a parede". Utilizando-se de supostos dados de Alysson Paulinelli, que segundo Paulo Henrique "fez da Embrapa a NASA do Brasil!", o jornalista tenta mostrar a suposta superioridade do agronegócio brasileiro para concluir: "O agro-negócio merece um Ministro da Agricultura forte" e este nome é Kátia Abreu.

No trecho da postagem em que supostamente faz uma "defesa" do MST, Amorim na verdade continua defendendo a nomeação da ruralista: "Que não destile o ódio que se percebe nas contrações verbais de Ronaldo Caiado e que, muitas vezes, Kátia emulou. Contra o MST, Kátia e Caiado se equivalem. E isso é um erro. O MST tem um papel fundamental, que é empurrar o Governo, as instituições e os fazendeiros contra a parede para enfrentar o problema dos sem-terra. Numa Democracia, esse confronto pode se travar, com tensão, e com avanços. O agro-negócio e o MST têm que conviver. E, no passado, Kátia não agia de forma a permitir que isso acontecesse, nos moldes da civilidade."  
Ou seja, se no passado Kátia Abreu e o MST eram inconciliáveis, no presente ela já não age assim. Portanto, talvez o erro esteja com a outra parte, o MST.


As "teses" do Conversa Afiada prosseguem com o "novo perfil" pintado de Kátia Abreu e já com a "reivindicação" para provável nova ministra "conter e ultrapassar" o Ibama, órgão federal de meio ambiente: "No Ministério da Presidenta Dilma – porque foi ela, a Dilma quem ganhou e, não, o agro-negócio … – Kátia, certamente, estará à altura das novas e complexas responsabilidades. E poderá colaborar com a Dilma para conter e ultrapassar, politicamente, os blablarínicos do IBAMA, que servem mais aos interesses não-brasileiros que aos interesses brasileiros."

Ao final do texto, Paulo Henrique reproduz matéria do sítio do MST em que se noticia a ocupação de uma fazenda de milho transgênico no Rio Grande do Sul no sábado (22 de novembro) por 2 mil jovens ligados ao movimento em que se denunciou a provável ministra Katia Abreu, "(...) pelo vínculo com o agronegócio, que é um modelo explorador que não serve para o campo brasileiro", segundo o texto da matéria. 

A mesma matéria produzida no sítio do MST em que é relatada a ocupação no Rio Grande do Sul foi reproduzida também pelo "Blog da Dilma" que é mantido por apoiadores da presidente. A postagem reproduz o texto original, fazendo apenas uma pequena introdução em que afirma: "A indicação da ruralista Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura ainda não foi digerida por movimentos sociais, como o MST; neste sábado, em protesto contra a polêmica escolha da presidente Dilma Rousseff, integrantes do MST ocuparam a Fazenda Pompilho, no Rio Grande do Sul; para Raul Amorim, da coordenação do coletivo de juventude do MST, com esta ocupação a juventude denuncia Katia Abreu pelo vínculo com o agronegócio; 'Katia Abreu é símbolo de um modelo que está destruindo os recursos naturais e a saúde dos trabalhadores e de toda a população', diz ele."

A simples reprodução da matéria, também ocorrida em outros blogs governistas, provocou um "racha histórico" do "Blog da Dilma" com os "Amigos do Presidente Lula", que é mantido por "admiradores" do ex-presidente e que publicou a postagem 
"Jusitifica fazer dramalhão contra Kátia Abreu na agricultura?" 

No texto em que listam 12 "razões" (por que não 13?) para a nomeação, os blogueiros "Amigos do Lula", criticam "gente que nunca plantou xuxu na vida, mas 'veta' apaixonadamente a possível escolha de Kátia Abreu (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura, seja por ideologia, seja por solidariedade a companheiros do MST que discorda da escolha. É boa esta paixão militante, união e consciência solidária entre movimentos sociais, mas tem horas que a gente precisa olhar também racionalmente as estratégias políticas."

A postagem em defesa da nomeação não ignora o que Kátia Abreu representa, mas o apoio dela a Dilma já seria suficiente para ignorar tudo isto: "Razões para sermos contra, todos sabemos: questões ideológicas, divergências sobre vários temas, como reforma agrária, questões trabalhistas, econômicas, sociais, indígenas, ambientais, artigos dela criticando países vizinhos "bolivarianos", ela ser egressa do DEM, etc. Somos contra a visão da senadora nestes itens. No todo ou em parte, pois ela tem se comportado de forma mais moderada com o correr do tempo, pelo menos em votações no senado".

Mas, são nas tais "12 razões" que se encontra o maior "colar de pérolas" já produzido sobre o caso, merecendo serem reproduzidas na íntegra (as partes em negrito foram destacadas por mim):

1) Ela está cogitada apenas para ministra da agricultura e o cargo hoje tem funções econômicas de continuar desenvolvendo o agronegócio, pouco apitando nos temas sociais, tratados em outros ministérios e no Congresso Nacional.

2) No senado, Kátia Abreu pode ser reacionária ou, pelo menos, de centro direita, dependendo do tema. No Ministério da Agricultura, se confirmada, ela será desenvolvimentista e pragmática. Em recente artigo dela Folha de São Paulo, mandou às favas o embargo dos EUA e Europa à Rússia devido à intervenção na Crimeia (Ucrânia), e comemorou o aumento das exportações brasileiras de produtos do agronegócio para os russos justamente por causa do embargo.

3) Desde 2003, a genialidade política de Lula criou o Ministério do Desenvolvimento Agrário, separado do da Agricultura, para cuidar da reforma agrária, da melhor distribuição da renda no campo, de elevar camponeses pobres para a classe média, de criar oportunidades de renda e de elevar a qualidade de vida e condições de trabalho e de estudo no campo, de qualificação técnica e profissional para trabalhadores e pequenos produtores.

4) O Ministério da Agricultura ficou justamente para cuidar da parte que já é economicamente produtiva, chamada agronegócio, um setor em que o Brasil colhe sucessos enormes e não pode se dar ao luxo de desperdiçar oportunidades econômicas na atual conjuntura, pois quem pagará o pato é também o povo se o setor for esnobado a ponto de decair a produção, seja por provocar aumento no preço dos alimentos, seja pelo próprio povo ficar mais pobre quando o PIB do setor cai e gira menos dinheiro na economia.

5) Assim, desde 2003, Lula e Dilma escolheram para o Ministério da Agricultura sempre pessoas desenvolvimentistas ligadas ao agronegócio, e escolheram para Ministério do Desenvolvimento Agrário pessoas ligadas aos movimentos sociais do campo. Kátia Abreu pode ser apenas mais famosa do que os outros ministros da agricultura que serviram aos governos Lula e Dilma, mas tem o mesmo perfil deles.

6) É mais importante militar e lutar por escolhas progressistas no Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente, do Trabalho, da Justiça, Secom, etc, em vez de querermos "vetar" nomes para Agricultura ou para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que também precisa de bons interlocutores nas classes empresariais.

7) Kátia Abreu tem representatividade em seu setor, pois é presidenta da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e conta com apoio da classe, gerando mais canais de diálogo entre governo e produtores, coisa que foi reclamada no primeiro governo Dilma.

8) Lula já provou que o jeito de destravar transformações dentro das regras constitucionais é colocar gente diferente, com interesses até opostos, sentados na mesma mesa para negociar acordos de forma franca. Podem "quebrar o pau" durante um tempo, mas é possível chegar a acordos meio termo, vencendo resistências dos dois lados, mesmo que o acordo não seja o ideal para nenhum deles. Se cada um ficar em seu cercadinho sectário, fechado em sua zona de conforto ideológica, sem negociar com antagônicos, fica tudo empacado e nenhuma mudança é conquistada a curto prazo.

9) Dado o resultado das urnas, com um Congresso Nacional até mais conservador do que nos últimos doze anos, o governo Dilma continua tendo que compor com partidos de centro e de direita uma participação grande no governo. Kátia Abreu não é diferente de vários outros quadros do PMDB, PSD, PP, PR, etc, e ela pode fazer parte da cota que cabe à direita no governo.

10) Sob o ponto de vista de combate à corrupção, colocar nomes de peso político em ministérios é melhor do que nomeações técnicas indicadas por caciques políticos. Se houver escândalo no ministério, é o próprio ministro-cacique que se queima, e não um burocrata sem expressão política que será reposto.

11) Os últimos Ministros da Agricultura foram indicados pela bancada do PMDB na Câmara. Mas a bancada do partido, liderada pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), às vezes é mais oposicionista do que governista em votações. Com Kátia Abreu, ela pode ter mais liderança sobre a bancada ruralista na Câmara, que vai além do PMDB.

12) Pela aliança regional feita entre PMDB e PT nas eleições 2014 no Tocantins, o suplente da senadora Kátia Abreu é do PT, o que representa mais um voto progressista na bancada do Senado, se ele assumir.


Os devaneios governistas ignoram que foi Fernando Henrique Cardosos que criou o Ministério do Desenvolvimento Agrário separado do Ministério da Agricultura e extinguindo o Ministério da Política Fundiária, e não a "genialidade de Lula" que só deu continuidade à pasta. A medida foi inclusive criticada na época, no ano 2000, por criar para a agricultura um ministério para os ricos e outro para os pobres e por esvaziar a centralidade da política de reforma agrária e valorizar a ideia de "agricultura familiar". 

Apesar de criticar quem "nunca plantou um pé de xuxu", os "Amigos do Presidente Lula" ignoram por completo ainda o peso da pequena agricultura (que assim como nos tucanos passou nos governos petistas a ser chamada de "agricultura familiar") na produção de alimentos no país. E pior, reproduz o preconceito de que este setor não seria produtivo, ou seja, apenas o chamado agronegócio responderia pela "grandiosidade" da produção agrícola do país.

Mas, caberia ao sítio da revista Carta Capital
 trazer a versão de que Kátia Abreu além de ser uma escolha acertada, pegaria uma "pasta esvaziada, sem recursos". A mesma revista tem divulgado em redes sociais um vídeo em que Katia Abreu afirma que pobre tem comer alimentos com agrotóxicos sim.



Coube ao colunista Rui Daher a defesa da nomeação no sítio da revista, destacando inclusive que isto era aguardado por ele:

"Diversas vezes divergi das posições da futura ministra. Fui das formas irônicas às mais duras. Nunca, porém, deixei de reconhecer seus conhecimentos sobre o agronegócio, sua combatividade em relação à forma equivocada como a sociedade vê o setor, e sua defesa intransigente aos ataques vindos de interesses econômicos exteriores.

Equivocou-se ao defender várias das mudanças do Código Florestal. Para defender pleitos ruralistas e contrapor teses corretas da comunidade científica, encomendou estudos no mínimo falaciosos. Com frequência, tem-se colocado contra os direitos territoriais indígenas, quilombolas, assentamentos, e critica a instauração de legislação trabalhista mais justa e abrangente para o setor rural.


Também, Kátia Abreu não se cansa de exigir maior rapidez na aprovação pelo MAPA de novos agrotóxicos, em óbvia dobradinha com as fabricantes multinacionais e porta-vozes de associações várias. Nunca se pronunciou pedindo a mesma rapidez para tecnologias produzidas de materiais orgânicos e naturais, efetivas em produtividade e mais baratas, mas originadas de gente pequena e sem lobby.

Tudo isso é motivo para seus constantes embates com órgãos do governo, FUNAI, INCRA, MAPA, ANVISA.


Reconheço que tudo isso assusta aqueles que veem a agropecuária não apenas do alto, mas também com a lupa. Principalmente, aquela que perscruta problemas sociais.


Mas o que se deveria esperar? João Pedro Stédile ministro?


Aguentarei as pedras pela heresia: a escolha da presidente Dilma Rousseff não poderia ter sido mais acertada.


O MAPA é, atualmente, um ministério esvaziado, sem recursos, voltado apenas a aspectos burocráticos e regulatórios. Suas pedras da coroa são Embrapa e CONAB que, apesar dos percalços, ainda fazem um bom trabalho. Quando a última não o faz, o IBGE duplica."


Para o colunista de Carta Capital, Katia Abreu possui "sensibilidade e a combatividade" diante da nova equipe econômica (haveria uma crítica a esta equipe?) cabendo aos movimentos sociais do campo, assentados, indígenas e quilombolas lutar por bons nomes para os Ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente, para protegê-los: 

"Hoje em dia, assentamentos, comunidades quilombolas, aldeias indígenas, com as raríssimas exceções dos que se organizaram nos moldes de agricultura familiar, representam um proletariado desprotegido, sem meios de autorreprodução e integralmente dependente da ajuda do Estado. (...)

Estamos nos referindo a, vá lá, cerca de 4, 5 milhões de brasileiros (se não concordarem, me ajudem na estimativa), ou 2% da população total, esperando consistência do apoio governamental e atenção da sociedade. Pois bem, para eles, que precisam da lupa social, mais importantes do que o MAPA, com Kátia Abreu ou sem, serão os ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente, para os quais a esquerda deve exigir comando comprometido com tais causas."

Carta Capital, Paulo Henrique Amorim e os "Amigos de Lula" enfatizam em seus textos que o PMDB "sempre" controlou o Mapa e que Kátia Abreu seria uma ótima interlocutora com o agronegócio. Mas a realidade vem mostrando que isso não é verdade. A senadora estaria enfrentando resistência a sua nomeação em seu próprio partido e de setores mais modernos agronegócio ao seu nome, conforme noticia a grande imprensa.

Com a rejeição do nome de Kátia por um pequeno segmento do PT, dos movimentos sociais que apoiaram e fizeram campanha para Dilma e do próprio PMDB, coube ao líder do Partido dos Trabalhadores no Senado, Humberto Costa (PT-PE) subir à tribuna nesta segunda-feira para fazer a defesa da nomeação da "companheira". 

Como se vê, o poço dos argumentos da "governabilidade" é mesmo sem fundo.
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