terça-feira, 2 de setembro de 2014

“O PAC engoliu o plano ‘BR-163 Sustentável’”


O título acima é a conclusão de matérias da Folha de São Paulo sobre o “Plano BR-163 Sustentável”. Os textos foram publicadas no jornal no último fim de semana e na forma interativa, no sítio da Folha.
O “Plano BR-163 Sustentável” foi elaborado em 2006 logo após o anúncio do asfaltamento da Cuiabá-Santarém, como promessa de assegurar a presença do Estado na região Oeste do Pará, com o zoneamento da região, criação de unidades de conservação, valorização de atividades produtivas ditas “sustentáveis”, regularização fundiária e combate a crimes como a grilagem de terras e o desmatamento da floresta. A ideia seria preparar a região para a pavimentação de um corredor de exportação da soja produzida no estado do Mato Grosso, um canal em plena floresta amazônica, o que reduz significativamente os custos de transportes para o agronegócio.
O plano foi elaborado sobre influência direta da então ministra do meio ambiente e agora candidata a Presidência, Marina Silva (PSB). O seu sistemático descumprimento após a entrada de Dilma Rousseff na Casa Civil, a quem caberia coordenar e integrar as diversas áreas envolvidas na sua implantação, é apontado como uma das causas da saída de Marina do governo Lula e depois do PT. De certo, a matéria da Folha surge neste momento da disputa presidencial entre as duas e tenta mostrar a “realidade de abandono” da região paraense da BR-163 após quase dez anos da elaboração do Plano.
Contudo, a reportagem  “BR-163 insustentável”  possui vários problemas, ao começar pelo fato de ser pouco aprofundada. Também confunde e mistura conflitos em áreas e atores sociais com papéis distintos, colocando todos os envolvidos como vítimas. São tratados de formas semelhantes, por exemplo, os grandes ocupantes que estão no interior da Floresta Nacional do Jamanxim e se enfrentam com a fiscalização do Ibama e assentados do Projeto Areia, que na verdade se enfrentam com grileiros e madeireiras e demandam e querem a presença dos órgãos fundiário e ambiental. Essa situação  é pouco explorada no texto.
No caso da Flona Jamanxim, é ouvido, entre outros, o Sr. Agamenon Silva Menezes, líder do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso. O ruralista declara na matéria apontando para a fumaça de queimadas: “Estamos oferecendo a legalidade. Eles [o governo] não querem. Só querem chamar de ilegal e multar. O resultado está aí”. O jornalista Marcelo Leite, o autor de matéria da Folha, talvez impressionado com as frases de efeito de Agamenon Menezes, talvez desconheça o tipo de “legalidade” defendida pelo ruralista, já que não se aprofunda em conhecer o personagem.
Numa entrevista para uma revista de circulação local em 2010, Menezes declarou que haviam três leis que atrapalhavam o desenvolvimento da região: “a lei que criou o Ministério Público”, o (antigo) Código Florestal e o Estatuto da Criança e do Adolescente que “impede as crianças de trabalharem”, segundo suas palavras. A legalidade defendida por Menezes atualmente passa pela regularização de terras griladas e pela saída do Ibama da região de Novo Progresso, o local na Amazônia brasileira em que na atualidade mais se destrói florestas por desmatamentos e queimadas. Veja AQUI e AQUI.
Já na parte da matéria que trata do conflito no Projeto de Assentamento Areia, em Trairão, é narrado a história dos assentados Osvalinda Maria Marcelino Alves Pereira e seu companheiro, Daniel Alves Pereira. Enquanto a “turma de Novo Progresso” quer a saída do Ibama da região, o casal é ameaçado e recebe propostas de madeireiras com capangas armados em sua casa para não solicitarem a presença do Ibama na área do assentamento.
“Se eu morrer como a irmã Dorothy, morro feliz. Mas prefiro morrer de problema meu, não de bala de vocês”, declarou a agricultora ao repórter da Folha, ao narrar uma discussão com um capanga que ameaçava Osvalinda, suas filhas e netas no assentamento. Osvalinda tem problemas cardíacos, conforme a matéria da Folha.
Apesar de ressaltar que mais de 15 pessoas já morreram nesta região nos últimos anos e citar o assassinato de João Chupel Primo em outubro de 2011, após denunciar um esquema de extração ilegal de madeira de unidades de conservação na Terra do Meio (e não nas margens da BR-163, como é dito), a reportagem não se preocupa em mostrar quem seria aqueles envolvidos na prática, fato já detalhado, por exemplo pela jornalista Eliane Brum, no texto “A Amazônia, segundo um morto e um fugitivo”, publicado no sítio da revista Época, ou as matérias publicadas aqui no meu blog sobre o assunto:

Vice-prefeito é preso por envolvimento no assassinato de João Chupel Primo


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