quinta-feira, 4 de julho de 2013

“Mascarellolândia”: Novo caso de “super-grilagem” na Terra do Meio usa Cadastro Ambiental Rural

Depois do famoso caso de grilagem promovido pelo empreiteiro Cecílio do Rego Almeida (Veja AQUI), um novo episódio de tentativa ilegal de apropriação de mais de um milhão de hectares de terras públicas vem à tona na chamada Terra do Meio, no município de Altamira, no Pará. Desta vez, a fraude fundiária envolve o uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR), promessa do governo estadual do Pará e do governo federal para promover a regularização ambiental das ocupações.

Matéria feita pelo jornal “O Liberal”, de Belém, no último 28 de junho, revela que o empresário paranaense Rovílio Mascarello teria tentado se apropriar de três grandes áreas que somadas totalizam 1.222.814,54 hectares, todas inteiramente sobrepostas a unidades de conservação federais criadas para deter o desmatamento que avança em diversas frentes nesta região e para assegurar direitos territoriais a comunidades tradicionais de antigos seringais. A dimensão dos imóveis chamou atenção da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (SEMA) que encaminhou denúncia ao Ministério Público Federal no Pará e cancelou os CARs Provisórios por indícios de irregularidade.

Este blog teve acesso aos CARs cancelados das três áreas. Pelos dados constantes nos documentos, é possível verificar a disposição e a espantosa dimensão dos imóveis. A “Fazenda Jatobá”, localizada na margem direita do rio Iriri, teria 155.594,4826 hectares sobrepostos à Resex do Rio Iriri e a Estação Ecológica da Terra do Meio. Já o “Seringal Praia de São José”, agora na margem esquerda do rio Iriri, teria 385.599,1288 hectares que tomariam a maior parte da Resex Riozinho do Anfrísio. Por sua vez, a “Fazenda Coronel Lemos”, na margem esquerda do rio Xingu, teria a impressionante dimensão de 681.623,9319 hectares estendendo-se para dentro da Resex do Rio Xingu, do Parque Nacional da Serra do Pardo, da Estação Ecológica do Rio Xingu e da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, esta última, uma UC estadual.

Mapa: Grilos de Rovílio Mascarello sobre unidades de conservação da Terra do Meio

Consta nos documentos, além de dados do empresário Rovílio Mascarello, informações do Engenheiro Florestal Jorge Luís Barbosa Corrêa, que seria o “responsável técnico” pelas informações prestadas. Além do MPF, Corrêa foi denunciado pela SEMA ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA).

Segundo a matéria em “O Liberal”, para a SEMA, não há qualquer indício de envolvimento de servidores do órgão na tentativa de fraude, já que “(...) o CAR é um documento meramente declaratório, ou seja, não precisa do auxilio de funcionário da Sema para ser preenchido”, segundo declarações da corregedora da Secretaria, Rosângela Wanzeler, ao jornal. A Secretaria informa que ainda está realizando investigações internas.

Numa região onde a grilagem conta com o uso de sofisticados mecanismos, o episódio é o primeiro caso conhecido publicamente em que é utilizado o CAR para tentar se apropriar ilegalmente de terras públicas.

No Pará, o CAR foi instituído em 2008 como registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais para licenciamento, monitoramento, controle, planejamento ambiental e combate ao desmatamento. Institui-se uma fase inicial com informações declaratórias quando é emitido o chamado “CAR-Provisório”, que precisa ser sucedida de comprovação dos dados informados para a emissão do chamado “CAR-Ativo” ou “CAR-Definitivo”, como é popularmente chamado. Com o novo Código Florestal foi instituído o CAR como instrumento nacional obrigatório para regularização ambiental de propriedades rurais. Contudo, os artigos referentes ao assunto ainda dependem de regulamentação por meio de decreto presidencial.

No caso dos imóveis pretendidos pelo empresário Rovílio Mascarello, havia apenas a etapa provisória do cadastro, ainda com informações declaratórias não comprovadas pelo empresário, entre elas, a de que seria detentor do domínio do imóvel, ou seja, seu proprietário.

Produtor Rural
Nos três cadastros feitos junto à SEMA do Pará, Rovílio Mascarello é apresentado como “produtor rural”. Segundo a matéria d’O Liberal, após saber da comunicação da irregularidade feita ao MPF, o advogado de Mascarello, Antônio José Darwrich, teria pedido por meio de ofício a “suspensão das investigações a respeito do assunto” por parte da Secretaria Estadual, alegando que era “perda de tempo e de recursos por parte do Estado”.

Em documento enviado ao Ministério Público Federal, a SEMA informou que Darwrich esteve na Secretaria em 18 de fevereiro de 2013 e tomou ciência do prazo de 30 dias para que seu cliente apresentasse os documentos comprobatórios da titularidade das áreas cadastradas, o que não foi atendido. “Contudo, em 25/03/2013, o mesmo advogado protocolizou nesta SEMA o pedido de prorrogação de prazo por mais 60 (sessenta dais) para entregar os documentos, que encerrou em 24/05/2013 sem o devido atendimento. O fato é que até a presente data nenhum documento foi apresentado, o que nos causa bastante estranheza (...)”, informa trecho do ofício da SEMA ao MPF.

O documento cita ainda uma Nota Técnica do Instituto Sociambiental – ISA de dezembro de 2012, em que Mascarello é citado como “dono do grupo empresarial COMIL” e que “teria adquirido supostos direitos sobre diversos seringais da Terra do Meio”.

Tal nota se refere a “Evolução da extração de madeira ilegal na Resex Riozinho do Anfrísio”, área que foi sobreposta pelo CAR do “Seringal Praia de São José”. O documento do ISA afirma que “a dimensão da área extrapola, em muito, todos os limites estabelecidos legalmente, oferecendo suficiente razão para crer na inexistência de titularidade do imóvel. Apesar disso, Mascarello tem enviado prepostos à área (pelo menos uma vez, em setembro de 2011 e outra em setembro de 2012), gerando inseguranças à população local, além de ter evidenciado suas pretensões sobre a terra ao realizar o registro no sistema CAR conforme exposto.” 

O Nota Técnica do ISA menciona ainda o “processo acelerado de degradação, com abertura de múltiplos ramais madeireiros em proveniência do eixo BR-163 –Transamazônica, concretamente dos arredores das localidades Campo Verde (km. 30), Santa Luzia, Três Bueiras e Trairão através do PA [Projeto de Assentamento] Areia. Esses ramais definem vetores de pressão que já penetraram na Resex Riozinho do Anfrísio e ameaçam seriamente o mosaico de áreas protegidas da Terra do Meio.” Leia a íntegra do documento AQUI.

Mapa das rotas de saída de madeira do interior da Resex Riozinho do Anfrísio, constante na Nota Técnica do ISA.

O nome do “produtor rural” e dono de “seringais” da Terra do Meio, Rovílio Mascarello, pode ser facilmente encontrado na internet, vinculado, por exemplo, a um acidente envolvendo a sua Ferrari 458 avaliada em R$ 1,5 milhão pelas ruas de Cascavel (PR) em abril deste ano (Veja AQUI) ou a notícias de pessoas de vida profissional bem sucedida e que começaram a trabalhar ainda jovem: “É o caso de Rovílio Mascarello, de 63 anos, que mora em Cascavel, no oeste do Paraná. Filho de agricultores e o mais novo de 12 irmãos, Mascarello morava em Jaborá, Santa Catarina, quando, aos 16 anos, terminou o quinto ano do Ensino Fundamental e começou a trabalhar com os pais no campo. Passados três anos, alugou um posto de combustíveis junto com o irmão. Aos 21 anos, com o lucro que conseguiu tirar da venda das plantações e do posto de combustíveis, mudou-se para o Paraná. Em Céu Azul, no oeste do estado, tornou-se dono de um posto de combustíveis, seu primeiro empreendimento. Mascarello disse que sempre tratou com muita responsabilidade sua vida financeira”, diz trecho de matéria no sítio G1.

Mas, é ao Grupo Mascarello que a figura de Rovílio pode melhor ser vinculada. O conglomerado é formado por várias empresas: “O Grupo Mascarello é formado pela Comil Silos, uma das principais empresas brasileiras de equipamentos para armazenagem de grãos, a Mascor Empreendimentos Imobiliários, que hoje desempenha importante papel no desenvolvimento urbano habitacional de Cascavel e a Mascarello Ônibus, primeira fábrica de ônibus do Paraná, que completa oito anos de trajetória, tendo sua produção distribuída para diversos lugares do Brasil e do mundo”, segundo o sítio do grupo. Veja AQUI.

A matéria do G1 citada acima afirma que há dez anos Rovílio se divorciou, ficando a administração da fábrica de ônibus com a ex-mulher e com os três filhos. “Hoje tenho várias fazendas de gado e de soja e as últimas aquisições que fiz são de mata virgem em Mato Grosso, Pará, Amazonas e Piauí”, complementa o empresário.

O empresário disse ainda ao G1 (matéria de 19/06/2012) que parou de trabalhar aos 50 anos e hoje vive “como gosta”. “Tenho meus advogados/gerentes que me auxiliam na administração das fazendas e dos negócios. E tenho tempo livre para fazer o que eu quero como namorar, viajar, passear com meus carros e jogar baralho”, declarou.

Empresas do Grupo Mascarello
Mas, além de notícias sobre a vida de “sucesso” de Mascarello, é possível encontrar ainda na internet o nome de Rovílio relacionado a denúncias no Piauí e no Mato Grosso duas regiões de forte especulação imobiliária, expansão da fronteira agrícola, e, não por acaso, de grilagem de terras.

Na região de Uruçuí, sul do Piauí e Balsas no Maranhão, Mascarello teria adquirido uma área de 100.000 hectares a partir de um título originário de 50 hectares. A região é alvo de empresários do agronegócio que se expandiram pela região em meio a conflitos agrários envolvendo posseiros. Veja a notícia AQUI.

No Mato Grosso, o empresário, sua ex-esposa Iracele Maria Crespi Mascarello (a presidente do Grupo Mascarello) e outros, respondem a um processo na Justiça Estadual em que particulares conseguiram anular o registro imobiliário de uma área, adquirida pelo grupo, de imóveis registrados nas comarcas da Chapada dos Guimarães, Paranatinga e Cuiabá e utilizados como garantia a empréstimos feitos a Bunge Alimentos.

O "produtor rural" Rovílio Mascarello: Ferrari, empresas e terras griladas
Como se vê, assim como o empreiteiro Cecílio do Rego Almeida criou a sua “Ceciliolândia” no Pará, o também radicado paranaense Rovílio Mascarello parece ter criado a sua “Mascarellodândia” por aqui. Curiosamente, a maior parte do “Seringal Praia de São José” de Mascarello se sobrepõe também à “Fazenda Curuá” do falecido “Dom Cecílio”, o que mostra que mesmo com o CAR, os andares de terras griladas no Pará devem ser infinitos...
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