segunda-feira, 11 de março de 2013

Trabalhador de Belo Monte negocia fim da “hora itinerário”

André Borges* 
A tensão entre os milhares de trabalhadores de Belo Monte e o consórcio responsável pela construção da hidrelétrica chegou a um nível crítico. O novo ponto de conflito entre os 18 mil funcionários que trabalham atualmente nas margens do rio Xingu, no Pará, e o Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM), liderado pela empreiteira Andrade Gutierrez, tem origem nas horas extras que são pagas atualmente aos funcionários, por conta do tempo que eles gastam no deslocamento entre suas casas, em Altamira (PA), até os canteiros de obra da usina. Cada trabalhador gasta entre duas e três horas, diariamente, nesse trajeto. O CCBM paga por esse tempo em trânsito, uma conta chamada de “hora itinerário”. Ocorre que, com a conclusão próxima de milhares de alojamentos dentro dos canteiros da usina, essa hora extra deixa de existir.
O impacto no bolso é significativo. Com a hora itinerário, cada trabalhador consegue engordar seu salário mensal em cerca de 20%. Além disso, pode permanecer em companhia de sua família, em Altamira, maior município da região e o mais afetado pela hidrelétrica. Ao migrar para o alojamento, esse trabalhador perde seu extra de 20% no salário e, ainda, o contato diário com familiares. A polêmica está instalada.
Os trabalhadores, conforme apurou o Valor, decidiram exigir uma compensação. Eles cobram do CCBM o que tem sido informalmente chamado de “hora confinamento”. O pleito foi confirmado por Roginel Gobbo, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sintrapav), que representa os funcionários de Belo Monte. “Queremos sim, uma proposta de compensação. Existe perda pesada de valor para o trabalhador e isso não foi estabelecido antes”, disse. “Nós já pedimos a suspensão imediata da mudança dos trabalhadores para os alojamentos, até que essa questão esteja totalmente definida. Há um clima de insatisfação muito grande por conta disso. Temos que negociar”, comentou o vice-presidente do Sintrapav.
Se o fim da hora extra mexe com o bolso dos funcionários, seu pagamento também pesa na conta do CCBM. O consórcio não comenta o assunto, mas estimativas apontam que, em média, o custo mensal da “hora itinerário” tem sido de aproximadamente R$ 3,5 milhões para o consórcio. Essa fatura pode ficar ainda mais salgada, se for levado em conta que as obras da usina deverão reunir, até meados de agosto, aproximadamente 28 mil trabalhadores, conforme planos do consórcio Norte Energia, que é o dono do empreendimento e que contratou o CCBM para executar o empreendimento.
Sindicalistas e empresas já discutiram o assunto na semana passada. As negociações prometem ser duras. O consórcio construtor não reconhece o compromisso de ter que pagar extra por “hora confinamento” e sustenta que a mudança dos trabalhadores para os canteiros de obra estava prevista desde o início de seus contratos.
Atualmente, cerca de metade dos 18 mil funcionários do CCBM já estão alocados em alojamentos da hidrelétrica. A outra metade está concentrada, basicamente, em Altamira, em casas próprias ou alugadas temporariamente pelo consórcio.
No fim do ano passado, o CCBM fechou um acordo com o Sintrapav. O período de “baixada” do trabalhador – prazo de aproximadamente uma semana que é dado para que o funcionário possa visitar sua família – foi reduzido de seis para três meses. O vale-alimentação aumentou de R$ 110 para R$ 200 e os salários foram reajustados entre 7% e 11%, dependendo da função.
Na semana passada, a diretoria de relações institucionais da Norte Energia passou por mudanças. O posto foi assumido pela ex-presidente de tecnologia da Caixa Econômica Federal, Clarice Copetti, que entrou no lugar de João Pimentel, que passou a responder pela área de licenciamento socioambiental da usina. Ligada ao PT, Clarice é esposa do secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez.

Kayapós acusam Eletrobras de não respeitar acordos

Se os trabalhadores de Belo Monte estão dispostos a negociar, o mesmo não se pode dizer dos índios que são, de alguma forma, afetados pela construção da usina. Na semana passada, um grupo da etnia kayapó rompeu os compromissos firmados com a estatal Eletrobras, principal acionista da Norte Energia, dona da hidrelétrica. Numa declaração curta, direcionada aos “senhores da Eletrobrás”, os índios disseram que não querem “nem mais um Real do dinheiro sujo” oferecido pela empresa e que não aceitam a barragem no Xingu. “Nosso rio não tem preço, os peixes que comemos não têm preço. A alegria dos nossos netos não tem preço. Não vamos parar de lutar em Altamira, em Brasília, no Supremo Tribunal Federal. O Xingu é nossa casa e vocês não são bem-vindos”, declararam os índios, conforme informado pelo Instituto Socioambiental (ISA).
Segundo os índios, em 2010 a Eletrobras se comprometeu a repassar às aldeias kayapó da margem Oeste e Leste do Xingu, respectivamente, R$ 3 milhões por ano, por três anos. Os recursos seriam igualmente divididos entre as aldeias kayapó de ambas as margens do Xingu. “Mais uma vez, condicionantes definidas não cumpridas”, alegam.
As queixas não se restringem às empresas que controlam Belo Monte. Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará enviou um alerta à Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a situação caótica que a instituição enfrenta em Altamira (PA). Segundo o MPF, em vistoria feita no prédio da Funai, um perito constatou “um ambiente caótico, sujo, sem condições dignas para os servidores e para os indígenas”.
Os procuradores afirmam que a Norte Energia assinou um termo de compromisso com a Funai em que estava prevista a construção de uma nova sede para a fundação em Altamira, contratação de equipe técnica, doação de equipamentos, material de consumo e prestação de serviços de manutenção. O compromisso, considerado pelo MPF como insuficiente mesmo se fosse cumprido, expirou no ano passado, com execução apenas parcial. “A nova sede nunca ficou pronta”, informa o MPF.
A Funai foi procurada pelo Valor para se posicionar sobre o assunto. A postura da fundação, vinculada ao Ministério da Justiça, foi a mesma adotada em outros momentos: não fazer qualquer comentário sobre as acusações.
No Congresso, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas deve ouvir representantes de empresas ligadas a Belo Monte sobre a ocorrência de casos de prostituição infantil no entorno da usina. A Norte Energia e o CCBM negam que a casa de prostituição estivesse em área de suas responsabilidades.
*Fonte: Valor Econômico
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