domingo, 24 de junho de 2012

As Veias Secas da Amazônia


Enquanto os imponetes rios da Amazônia são ocupados por usinas hidrelétricas e tornam o Brasil a "Potência Energética do século 21", o impacto dessas obras nas populações locais continua a ser ignorado
Por Felipe Milanez*
Às margens do Rio Tapajós, em Itaituba (PA), um encontro de grupos sociais discute os impactos da construção da primeira de cinco hidrelétricas na região. Felício Pontes está com a palavra. Procurador Federal do Pará e atuante em defesa de populações atingidas por usinas, ele aponta no mapa a cachoeira Sete Quedas, um dos locais da construção da usina no rio Teles Pires, formador do rio Tapajós.

“É o local de procriação dos peixes”, Pontes explica, tentando provar que as usinas na Amazônia não são necessárias para o desenvolvimento do país, enumerando formas de desperdícios e energias alternativas. “Sou ruim de matemática, mas é só fazer as contas.”
Em seguida, Kubatiapã (nome indígena de Tiago Munduruku), cacique do povo mundurucu, pede para contar o pesadelo que teve na noite anterior.
“Estávamos andando, um bocado de pessoas. Pintados. Com arco e flecha nas costas, na direção do poente. Num momento vem um avião, passando pertinho. E de uma estrada, para um carro, e eles começam a atirar. O avião metralha. Eu estava com a arma, o arco na mão, que virou uma espingarda 22. O jato começou a atirar contra o povo, na direção dos mais fracos. Gritei para todo mundo entrar no mato. Era como pingo d’agua caindo do céu. Eram projéteis, balas. Nos escondemos, e fomos para essa cachoeira sagrada. Lá é um lugar protegido. Ali está a história”, diz. “Se acontecer a hidrelétrica, o rio Tapajós tem história indígena. Vão acabar com o rio. Vão acabar.”
De acordo com informações do Ministério Público e da organização International Rivers, o governo federal planeja construir três usinas no rio Tapajós, quatro no Jamanxim (um afluente) e seis barragens para o Teles Pires, que, juntamente como o Juruena, forma o Tapajós. Para a bacia toda, que inclui ainda o rio Apiacás, o plano é levantar um total de 16 barragens, que impactariam mais de dez mil indígenas que vivem às margens desses rios.
O pesadelo do genocídio indígena sonhado por Kubatiapã talvez não seja uma fantasia. No encontro, ocorrido em maio, o cacique debateu com lideranças dos movimentos sociais do rio Madeira, como Iremar Antônio Ferreira, do Instituto Madeira Vivo, e Antônia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo. O objetivo é construir uma “aliança pelos quatro rios”, envolvendo Madeira, Xingu, Tapajós e Teles Pires. Jesielita Roma Gouveia, coordenadora do fórum social dos movimentos da BR-163, estrada que está sendo asfaltada e trará impactos à região, foi escolhida para ser a coordenadora do movimento Tapajós Vivo.
“Itaituba cresceu desordenadamente desde a época do garimpo”, reclama Jesielita. “Depois, vieram as madeireiras, e agora os projetos de rodovia, hidrovia, complexos hidrelétricos e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) que estão no PAC 2, da presidente Dilma. O governo não conhece nossa realidade. Não estamos preparados para receber um projeto desse porte. A gente está sofrendo muito.”
*Parte da matéria que se encontra na íntegra na Revista Rolling Stones (Edição 69 - Junho de 2012)
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