quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Biocarvão em terra de índio


Pesquisadores buscam desvendar por que áreas já habitadas por indígenas na Amazônia apresentam solo rico em minerais. O estudo pode ajudar a melhorar a qualidade da produção agrícola no país
Junia Oliveira*

O projeto está sendo desenvolvido há oito anos pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).  Há cerca de dois, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se juntaram ao time para aplicar a ele a nanotecnologia e descobrir por que a terra de áreas que foram ocupadas por comunidades indígenas na Amazônia tem qualidade muito superior à das demais regiões da floresta.

O líder do grupo de pesquisa Terra Preta Nova, Newton Falcão, do Inpa, doutor em solos e nutrição de plantas, ressalta que 75% de todo o solo da floresta amazônica têm baixa fertilidade natural, enquanto o professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ado Jorio, responsável pela pesquisa na instituição mineira, reforça que, de forma geral, solos da região tropical são pobres e muito prejudicados pelas altas temperaturas e chuvas fortes, que tornam difícil a retenção de nutrientes e matéria orgânica.

Contrapondo esse cenário, antropólogos descobriram um solo completamente diferente em algumas áreas na região amazônica, que foram povoadas por índios.  "Numa das visitas, havia três meses que não chovia e a terra estava seca e rachada, mas nas áreas de terra preta ela estava úmida.  O que se sabe é que o carbono presente nela, resultado basicamente de processos de queima de carvão, é o responsável pela retenção de nutrientes e água.  

Acredita-se que os índios tinham um processo de queima de lixo e até de ossos, mas não se sabe se faziam isso de propósito para melhorar a terra ou se era um meio de vida que acabou dando certo", diz Jorio.

Coleta de terra para ser testada nos laboratórios do Inpa, cuja sede fica em Manaus
Os agrônomos já tentaram produzir carvão para replicar a terra preta, mas o resultado não foi o mesmo.  Segundo Newton Falcão, a aposta na nanotecnologia tem como intenção aprofundar os conhecimentos sobre a química do solo e entender os processos de estabilidade da terra preta, que possui grande quantidade de carvão pirogênico — produzido por meio de queima controlada a baixas temperaturas (entre 300ºC e 400ºC).  "O solo preto tem alto conteúdo de carbono, zinco e magnésio e, mesmo com idade entre 500 e 2 mil anos, não perde a estabilidade da matéria orgânica.  A chuva lixivia o adubo orgânico e os nutrientes e, na terra preta, isso não ocorre.  Mas não conhecemos como a estrutura desse carbono funciona", diz.

De acordo com Ado Jorio, a nanotecnologia usa a microscopia eletrônica e a técnica de espectroscopia (qualquer modificação química ou estrutural é observada no espectro) para analisar a estrutura que está na terra, que não é a mesma do carvão gerado em fornos.  É possível que a estrutura do carvão da terra preta seja diferente porque sofreu degradação durante milhares de anos.  "É interessante o compromisso da natureza.  É uma estrutura atômica semelhante à do grafite, mas bem degradada.  Se degrada demais, fica instável e gera o solo pobre, mas se degrada até o ponto certo, o material continua estável, mas com maior capacidade de absorção e liberação de nutrientes", relata o professor da UFMG.

Hexágono
As pesquisas mostraram que a composição química da terra preta é à base de folhas hexagonais de carbono empilhadas, de tamanho muito pequeno, de cinco a 10 nanômetros — chamadas de nanografite.  "Uma vez que se conhece a estrutura, reproduzi-la é fácil.  O nanografite é hoje uma das estruturas mais vendidas no mundo.  Ele não é exatamente o que foi encontrado nesse solo, sendo necessários ajustes para se chegar à fórmula correta e, depois, enriquecer o material com nutrientes", ressalta Jorio.

O professor chama a atenção ainda para dois passos importantes a partir de agora.  O primeiro é pegar uma fonte de carbono e gerar o material, fazendo a captura desse elemento químico, em vez de jogá-lo na atmosfera.  O outro é pensar, a partir desse processo, em algo de larga escala para misturar esse material em terras de má qualidade.  "Há muitas pessoas trabalhando na terra preta, mas o trabalho da nanociência é recente.  Quando as colaborações se firmarem, então haverá uma ação mais efetiva, mas ainda em escala de laboratório.  Se o governo chegar à compreensão de que isso pode mudar as características do Nordeste, por exemplo, pode se tornar política pública", acrescenta.

Newton Falcão, do Inpa, prefere ponderar: "Nossas pesquisas ainda estão muito incipientes para se pensar em políticas públicas, mas o tema terra preta e biocarvão é de interesse mundial.  Nessa perspectiva, não podemos descartar o Nordeste do país, que tem solo rico, mas problema de água e manejo.  Se desenvolvermos tecnologia por meio da qual se possa dizer que o carvão vai reter água e aumentar a eficiência de um fertilizante, não descarto a combinação de biocarvão com algum adubo orgânico, para conseguir ter produtividade com baixo custo e, a longo prazo, manter o produtor naquela área, que será produtiva".

O pesquisador do Inpa afirma que o avanço da pesquisa pode ajudar no reaproveitamento de áreas já degradadas e assim evitar o desmatamento, pois a tecnologia é voltada também para o médio e o grande produtor.  "O biocarvão entrou como solução para estocar o carbono.  Os resíduos da agroindústria, combinados com resíduos fixos, podem melhorar a fertilidade, reter nutrientes e água.  É uma tecnologia da qual, hoje, o mundo todo está atrás."

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