sexta-feira, 17 de junho de 2011

Posso morrer hoje ou amanhã, diz trabalhador que denunciou madeireiros

Ana Cláudia Barros*

Desde que soube do assassinato do trabalhador rural Obede Loyla Souza, Francisco Evaristo da Conceição , 50 anos, passou a viver dias de sobressalto. Deixou o assentamento em que morava, tem evitado andar sozinho pelas ruas, trabalha de portas sempre fechadas, próximo ao município de Pacajá, no Pará.

Assim como Souza, morto com um tiro no ouvido no último dia 9, no Acampamento Esperança, em Pacajá, Evaristo discutiu com as mesmas pessoas ligadas a representantes dos grandes madeireiros da região. Assim como Souza, ele reclamou da extração ilegal de madeira e do estrago que os pesados caminhões carregados de toras provocavam nas estradas de acesso aos assentamentos durante o período de chuvas. Por analogia, Evaristo também se sente marcado para morrer.

- A gente fica preocupado com essa situação. Não sabe quem está matando as pessoas, não sabe o que está acontecendo. Eu me sinto ameaçado - desabafa Evaristo, que é presidente do Projeto de Assentamento Barrageira e tesoureiro de uma entidade voltada para o trabalhador rural.

Mas a possibilidade de ser a próxima vítima não está fundamentada em mero temor. Ele conta a Terra Magazine que, nos últimos dias, homens passaram a rondar sua casa no assentamento. A camionete preta, flagrada por testemunhas no Acampamento Esperança no dia em que executaram Obede Loyla Souza, também foi vista circulando nas imediações da residência.

Indagado se acha que tem data certa para morrer, responde engasgado:

- Saber assim não sei. A gente não sabe a hora, né? É complicado. Não sei se pode acontecer hoje. Se pode acontecer amanhã.

Confira a íntegra da entrevista com o assentado que se diz "ameaçado":

Terra Magazine - Assim como Obede Loyla Souza, você também discutiu com pessoas ligadas a representantes dos grandes madeireiros da região. Você se sente ameaçado?
Francisco Evaristo da Conceição - Eu também discuti com o pessoal. Por causa da discussão, o pessoal está me ameaçando. Eles foram na minha casa, me procurar no assentamento. Pessoas armadas foram me procurar. Fica difícil pra gente. Eu não vi, porque não estou parando lá. Quando chego, eles já passaram. Na quinta-feira (9) à tarde, passou uma camionete que minha família nunca tinha visto. Foi até à minha casa e, depois, voltou de novo para o assentamento. Uma camionete preta. Ela estava do outro lado, onde aconteceu o crime (assassinato de Obede Loyla Souza). A gente fica preocupado com essa situação. Não sabe quem está matando as pessoas, não sabe o que está acontecendo.

Como está o clima no assentamento?
O clima é um pouco complicado. Segurança a gente não tem. Na zona rural não tem segurança. A polícia não vai no mato.

Vocês se sentem desamparados?
Desamparado com essa situação. A gente fica com medo de falar ou de sair na rua porque não sabe o que está acontecendo. É complicada a situação.

Quando foi a discussão?
Foi em fevereiro, março. Os madereiros ficam tirando madeira no período de chuva, acabando com a estrada por causa dos caminhões pesados. A gente reclama para não ficar ilhado, porque senão não tem nem como comprar alimentação. Tem a extração irregular de madeira também, que a gente tenta combater. O Obede discutiu com esse mesmo pessoal.

Como está sua rotina? Você falou que se sente ameaçado.
Eu me sinto ameaçado. Eles já foram várias vezes na minha casa, no mato, no assentamento. Estou deixando de ir ao assentamento.

A quem você recorreu? Você pediu ajuda, proteção ao governo federal?
Já foi encaminhada uma denúncia para a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A gente vai tomar as providências agora. A Polícia Federal vai chegar aqui onde estou vivendo agora. Tem que esperar eles chegarem para a gente ver o que vai fazer. Se vão dar uma assistência...

Enquanto a ajuda não vem, como você está vivendo?
Não estou indo ao assentamento. À noite, não saio. Trabalho com a porta fechada. Quando saio daqui, vou direto para casa. Não ando na rua de jeito nenhum. É complicado. A gente não tem liberdade de andar. Nós, que trabalhamos pela reforma agrária, temos a mesma penitência. Se você mexe com a reforma agrária, acontece isso. A gente não pode nem falar nada porque, se falar, morre.

Você acha que tem data marcada para morrer? Você tem essa sensação?
Saber, assim, não sei. A gente não sabe a hora, né? É complicado. Não sei se pode acontecer hoje. Se pode acontecer amanhã...

*Fonte: Terra Magazine
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