quarta-feira, 21 de abril de 2010

Belo Monte: Juiz se diz "incomodado" por agentes da Abin

Magistrado que suspendeu leilão por 3 vezes afirma que membros da agência foram à Justiça em Altamira e telefonaram "várias vezes"

"Não entendo o que eles estão investigando", diz Antonio Carlos Almeida Campelo, para quem conflitos jurídicos sobre usina estão na fase inicial

João Carlos Magalhãe*

O juiz Antonio Carlos Almeida Campelo, da Justiça Federal em Altamira (PA), disse estar "incomodado" por "solicitações" feitas por agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sobre suas decisões no caso da usina de Belo Monte. Nos últimos seis dias, Campelo, 47, suspendeu por três vezes o leilão da usina, aumentando a temperatura da disputa jurídica em torno da obra de R$ 19 bilhões, a ser construída no rio Xingu, no Pará.

"Não entendo o que eles estão investigando", disse Campelo, por e-mail -condição estipulada por sua assessoria para a entrevista.Questionado depois sobre como se deram essas solicitações, o juiz afirmou, em novo e-mail, que agentes da Abin estiveram na Justiça Federal em Altamira e telefonaram para lá diversas vezes, "atrás das [minhas] decisões".

FOLHA - Na opinião do senhor, Belo Monte será uma "tragédia socioambiental", como os críticos do projeto da usina hidrelétrica afirmam?

ANTONIO CARLOS ALMEIDA CAMPELO - O Estudo de Impacto Ambiental ainda não está concluído. Segundo técnicos do próprio Ibama, [ele] ainda demanda de outros estudos. Esses outros estudos é que vão dizer o nível de degradação ambiental e as medidas mitigadoras.

FOLHA - Até que ponto os interesses políticos estão pesando na atuação do Judiciário?
CAMPELO - As decisões prolatadas são técnicas e amparadas por doutrinas de renomados juristas do direito ambiental e em jurisprudência de tribunais superiores brasileiros e estrangeiros. Assim, o interesse político não é levado em conta.

FOLHA - O senhor se sente pressionado?
CAMPELO - Recebi procuradores da AGU, da Aneel e do Ibama e, por mais de uma hora, ouvi suas alegações e fiz algumas ponderações. Mas não foi suficiente para eu modificar minha decisão. Não me sinto pressionado, mas estou incomodado com várias solicitações de agentes da Abin, que não vejo como um órgão de representação judicial. Não entendo o que eles estão investigando.

FOLHA - Como e quando essas "solicitações" ocorreram?
CAMPELO - Não houve conversa com agentes da Abin. Dois agentes da Abin estiveram na subseção de [Justiça Federal em] Altamira atrás das decisões e querendo saber quando eu daria outras decisões.Ligaram várias vezes para o diretor da subseção de Altamira querendo informações sobre o teor das decisões e o momento em que eu liberaria. Pediram cópias de minhas decisões por e-mail [todas já haviam sido disponibilizadas na internet].

FOLHA - O leilão pode ser considerado inválido?
CAMPELO - Ainda não sei do horário do leilão [13h20], mas minha terceira decisão foi prolatada às 11h45 [de ontem] e foi transmitida para e-mail do Ibama, da União, da Aneel, e algumas entidades foram intimadas com entrega da decisão em mãos de procuradores. Caso haja confirmação de que o leilão foi realizado após intimação da decisão, ele é nulo de pleno direito.

FOLHA - O senhor vê um conflito velado entre diferentes instâncias do Judiciário?
CAMPELO - Isso é inerente ao sistema judicial brasileiro. A decisão do TRF pode ser revogada pelo STJ [Superior Tribunal de Justiça], por exemplo.

FOLHA - A disputa jurídica deve se acirrar?
CAMPELO - Na verdade, os conflitos jurídicos ainda estão na fase inicial. Os processos prosseguem [...]. Ainda neste ano, pretendo sentenciar todos os processos sobre Belo Monte. Se a sentença for no mesmo sentido, por exemplo, da decisão que suspendeu o leilão, ele pode ser considerado nulo. Mas isso é só uma hipótese.

*Fonte: Agência Folha
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