segunda-feira, 29 de março de 2010

Audiência Pública do faz de conta

Por Edilberto Sena*

A Constituição brasileira tem um dispositivo bem democrático na questão de projetos com possíveis impactos sócio-ambientais. É a exigência de Audiências públicas antes do início de qualquer uma dessas obras públicas. O sentido original da necessidade de audiência pública é que as autoridades escutem as análises da sociedade, se aquela obra é válida, viável e sem impactos irreversíveis aos que vivem no entorno da referida obra. Se a decisão do plenário da audiência pública for contrária à sua realização, teoricamente a autoridade é obrigada a modificar ou suspender a execução.

Isto é o que prevê a Constituição nacional. Na realidade, não acontece assim. Governos, municipais, estaduais e o federal costumam deturpar e violar a constituição como ficou patente nas audiências faz de conta, sobre a desastrosa hidroelétrica de Belo Monte.

No Estado do Pará, além desse caso Belo Monte, o governo do Estado também tem dado um jeito de burlar a constituição. Foi criado há pouco, um projeto para conceder florestas estaduais nas glebas, Nova Olinda e Mamuru, aqui no Oeste do Pará. Já houve reuniões com moradores tradicionais, antes das audiências públicas; o órgão estadual, IDEFLOR, conhece o sentimento e decisão dos referidos moradores, no entanto, foram realizadas por formalidade, algumas audiências públicas.

A decisão do governo do Estado é arrendar 312.500 hectares, isso mesmo, trezentos e doze mil e quinhentos hectares de floresta a quem se interessar por explorar produtos florestais, especialmente madeira de lei, como ipê, abundante naquela região. Vários grupos de forasteiros do sul já se instalaram nas duas glebas e estão ansiosos por legalizar madeira que estão extraindo e tendo dificuldade com a reação dos moradores tradicionais.

Para as tais audiências públicas, os convidados ao chegarem na entrada da sala são recebidos por uma pessoa que lhes apresenta uma lista para ser assinado o nome e um documento de identidade. Isto é o essencial aos promotores da audiência, para confirmar que ela foi bem participativa. O que ocorre durante, são muitas explicações e justificativas dos promotores sobre a importância e viabilidade do empreendimento. Aos convidados restam alguns minutos para perguntas e possíveis contestações que não serão levadas em conta, caso seja pedido o cancelamento da obra, devido a comprovantes de sua inviabilidade.

O projeto que foi elaborado pelos órgãos do governo já está concluído. No caso do arrendamento de florestas das glebas, Nova Olinda e Mamuru, até o tamanho das terras está definido, 312.500 hectares, que serão arrendados aos madeireiros interessados. Os moradores tradicionais ficarão com o resto, ao redor de suas casas com no máximo 100 hectares. Além dali não poderão mais caçar, tirar palha, castanha, frutos da floresta, nem madeira.

As audiências públicas portanto, são apenas rituais vazios de faz de conta, numa total violação da constituição nacional. As autoridades enganam o povo para atender interesses políticos e de grupos econômicos. Esta é a democracia imposta ao povo brasileiro. Quem poderá mudar tal situação?

*Pároco diocesano e coordenador da Rádio Rural AM de Santarém. Editorial de 29 de março de 2010.
Comentários
0 Comentários

0 comentários: