domingo, 31 de maio de 2009

PT ao vivo e a cores: de como se constrói a hegemonia às avessas


Por Francisco de Oliveira*

Juntar-se a Lula é um bom negócio. Mas é também, apenas, um bom negócio.

"Lula está à direita de Fernando Henrique Cardoso ao não recompor as estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos. O presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela cooptação dos mais pobres. O Bolsa Família não é um direito, mas uma dádiva. Neste sentido, vivemos na gestão dele uma regressão política, porque no governo Lula houve uma diminuição do grau de participação popular na esfera pública. E quando se projeta o cenário de 2010 percebe-se como Lula resulta regressivo. Com a força perdida pelo PT e a ausência de alternativas de Lula, uma vez que a doença de sua candidata mostra sinais de gravidade, aparece o terceiro mandato".

Chico Oliveira, sociólogo, 75 anos, fundador e desencantado com o PT, em entrevista ao jornal VALOR ECONÔMIC O, de 27.5.2009.*

Nada como um programa de televisão para espelhar a essência de uma opção de governo. A Lei eleitoral oferece essa oportunidade aos cidadãos. A cada semestre, os partidos vão à tv para revelar um pouco de si.Nesta quinta-feira, foi a vez do
programa do Partido dos Trabalhadores, aquele que se fez de uma alquimia engendrada tendo como principal matéria prima a insatisfação de uma população desorganizada politicamente e de fácil manipulação, em especial, por símbolos sobrenaturais.

O PT foi o novo que se fez na ruptura da história. Não vou falar hoje das tratativas que pavimentaram sua caminhada, passo a passo, até levar à Presidência da República o "curitiano" que chegou ao sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo pelas mãos de Paulo Vidal Neto, o malabarista que, sendo de confiança da ditadura, tinha um bom trânsito no antigo Partido Comunista Brasileiro, onde militava José Francisco da Silva, o irmão de Lula que o indicou para suplente do conselho fiscal da chapa oficial "por não correr risco de perder o emprego", na Villares. "Em toda minha vida, nunca gostei de ser rotulado de esquerda. E, na primeira vez que me perguntaram se eu era comunista, respondi: 'Sou torneiro mecânico'". Isso é matéria para livro.

Mas ao ver e rever o programa do PT identifiquei nele com uma clareza exuberante o que havia nas entrelinhas da sua trajetória matreira.Quando se fixa em programas assistenciais compensatórios e obras de vitrine, o governo do PT cumpre ao pé da letra a sua tarefa protelatória, consentânea com o projeto pós-ditadura militar elaborado sob inspiração do banqueiro David Rockfeller e seus parceiros da super-ONG "Diálogo Interamericano".

O programa de televisão em nenhum momento tocou em temas represados, como a reforma agrária, o aviltamento salarial, a soberania nacional, especulação financeira, a precariedade da educação pública de base, a inexistência de uma política de saúde conseqüente e o agravamento da insegurança nas cidades.Fala das privatizações de FHC, mas nada diz sobre a omissão do governo Lula, que se nega a auditá-las, apesar do gritante do seu caráter donativo. E omite igualmente a sagrada aliança com o agro-negócio, que já representou uma sequência de perdões e protelações de dívidas, cujos valores são muitas vezes superiores aos destinados aos assentamentos rurais, virtualmente abandonados à própria sorte, e aos pequenos agricultores .

Obras de vitrine para seduzir a massa excluída com a notícia de que seua vez chegará um dia. Nos seus carros-chefes, o vício da ocultação da verdade. Esse mirabolante programa de construção de um milhão de casas, com suas planilhas incontroláveis, foi concebido para tirar do sufoco a indústria da construção civil, às voltas com a drástica queda da demanda em seus projetos direcionados à classe média, e não para compensar salários que não permitem moradias decentes. Se vai ou não vai resultar em benefício social, tenho minhas dúvidas. Com dinheiro saindo pelo ladrão, o PAC conseguiu construir até agora menos de 50 apartamentos no Complexo do Alemão, feito considerado tão significativo que levou o próprio presidente da República ao evento de inauguração, nesta sexta-feira.A realização de obras em três grandes favelas do Rio de Janeiro é um oneroso mostruário que está longe de encarar a crônica sub-habitação, filha de rendas insuficientes. Ao um custo de 1 bilhão de reais - maior do que orçamentos anuais de muitas prefeituras, como Natal (R$ 840 milhões) e Niterói (R$ 859 milhões) - sua concepção reflete uma inescrupulosa intenção: seduzir milhões de miseráveis descartados com a notícia de que, pelo menos no Alemão, em Manguinhos e na Rocinha alguma coisa já se fez, principalmente de natureza cosmética.

No âmbito da educação, o programa do PT usou o "Prouni" como seu maior emblema. Sob o mesmo impulso do projeto de moradias, esse "achado" não é mais do que um jeito brasileiro de socorrer os mercados de ensino privados, que registraram capacidade ociosa superior a 50%. Em troca das bolsas, cujos critérios sociais têm sido fartamente ludibriados, o governo abre mão de tributos, que deixam de ser recolhidos e faltam ostensivamente nas escolas públicas.Nessa progressão, todo piso salarial será igual ao mín imo. Essa é uma forma perversa de nivelar por baixo.

O depoimento do presidente da CUT revela o alcance da domesticação do movimento sindical. Ele se gabou dos aumentos do salário mínimo, acima dos concedidos à grande massa de trabalhadores, e da revisão, ano passado, da tabela do imposto de renda. Essa política, integrada com o "bolsa-família", cumpre um irresponsável desserviço à atividade laboral. Corrige em parte a defasagem histórica de 44 milhões de brasileiros. Correção, aliás, ainda muito distante do necessário, conforme cálculos da Gazeta Mercantil, segundo os quais para cobrir todas as despesas, o mínimo hoje deveria ser de R$ 2.141,08.

Mas nivela os salários por baixo, na medida em que os mesmos critérios de reajustes não se aplicam a quem ganham acima do mínimo. Essa tendência demonstra a significativa contração da massa salarial no país: levantamento do Dieese demonstrou que a pro porção de categorias de trabalhadores com pisos salariais bem próximos do salário mínimo cresceu entre 2007 e 2008. No ano passado, o percentual de atividades com remuneração básica equivalente a um salário mínimo alcançou 5,7% - ante 3,4% em 2007. O mais grave é que a pesquisa comprovou que o valor médio do piso salarial recuou entre 2005 e 2008 de 1,73 salário mínimo para 1,34. A perda de massa salarial, não é, portanto, fenômeno exclusivo dessa recente crise econômica.

Ao adotar critérios diferentes nas correções salariais, o governo do PT expõe o seu caráter oportunista, mas não esconde a traição à massa que o endossou. Adota um critério político de viés eleitoral, pelo qual garante um volumoso capital votante, cimento de uma maioria maliciosamente amestrada. E cristaliza o projeto de governo "consensual", ao gosto das elites multinacionais e oligopolistas.Esse PT que se mostrou pelas telas de TV e pelas ondas do rádio na passada quinta-feira é a grande panacéia q ue leva ao delírio o sistema internacional e faz do seu simpático condottiere um indiscreto fã do nosso operário bem sucedido.Juntar-se a ele é um bom negócio. Mas é também, apenas, um bom negócio.


*Para este ano, Chico de Oliveira prepara um livro que irá retratar a construção de uma HEGEMONIA ÀS AVESSAS. Ou seja: como um líder popular carismático trabalharia no sentido contrário aos interesses da base que o elegeu. Sugestão enviada por email pelo professor Edi Augusto Benini (Tocantins).
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